Entre 23 de Abril e 4 de Maio, a peça “Uma Carta a Cassandra” estará em exibição no Teatro Les Tanneurs. Conheça as didascálias de Pedro Eiras, dramaturgo português que assina o texto.
O soldado José, protagonista do enredo, escreve uma carta a Vera, sua namorada. Naturalmente, fala-lhe da ocupação do país estrangeiro, da vida no quartel, da saudade. “Mas fala para o público, e começa a confessar tudo o que não conseguiu dizer na carta”, adianta Pedro Eiras. O sobrescrito chega às mãos de Vera, que tem “um poder muito estranho”: consegue adivinhar o futuro e ler o que as cartas escondem.
Pedro Eiras escreveu o texto em 2004, pouco depois de serem publicadas as fotografias da tortura de prisioneiros iraquianos por militares americanos, na prisão de Abu Ghraib. “Alguns leitores, entretanto, viram nesta peça outras guerras – incluindo a guerra colonial portuguesa, nos anos 60 e 70. E está correcto, está sempre correcto”, afirma.
Em 2004, as autoridades americanas mostraram o seu desconforto e choque face à divulgação de tais imagens, “como se fossem uma anomalia”. “Eu entendo que isso é uma visão hipócrita: uma ofensiva militar implica sempre a tortura e o horror, de modo consciente. Não há a guerra limpa por um lado e os acidentes sujos por outro. Toda a guerra é imediatamente suja”, considera o dramaturgo.
Quem se sentar na plateia deverá ouvir “duas vozes”: um homem que foi transformado em soldado e atirado para um país estrangeiro, um homem na margem da loucura, que tenta fugir ao crime e não consegue; e uma mulher que gostaria de ignorar o horror, poder esquecer a carta do namorado, mas que a lê mil vezes até descobrir os sentidos escondidos. “São duas vítimas, ambos, José e Vera. E nós todos: que cartas escrevemos, que cartas lemos, que cartas mentimos?”
Do papel para o palco
Pedro Eiras reconhece que escrever no género dramático é um desafio. “Tenho determinadas ideias, mas a peça só começa quando descubro as vozes das personagens – e isso pode levar vários anos.” Só começou a escrever ‘Uma Carta a Cassandra’ quando percebeu que precisava de dois monólogos, de um homem e de uma mulher que se amam mas que não podem falar um com o outro. “E quando eles começam a falar comigo, então, eu apenas tenho de ouvir, de escrever o que dizem.”
Em 2011, ‘Une Lettre à Cassandre’ foi lida no Festival des Nouvelles Écritures, em Liège. “Foi o meu primeiro diálogo com espectadores e ouvintes belgas, num ambiente de grande emoção”, recorda. Agora, será a vez do dramaturgo português assistir à encenação de David Strosberg, com o Théâtre Les Tanneurs. “Espero poder dialogar com a comunidade emigrante portuguesa na Bélgica…”
Quando vê aquilo que escreveu no papel levado à cena, Pedro Eiras sente que “o texto encontrou o seu lugar certo: corpos, vozes, respirações, realidade”.
De relance pela biografia
Romancista, dramaturgo e ensaísta, Pedro Eiras nasceu na cidade do Porto, em 1975. Doutorado em Literatura Portuguesa pela Universidade do Porto, trabalha como professor na mesma academia e é investigador no Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa.
Em 2001 deu início à sua actividade literária e, cinco anos depois, viu a sua coletânea de ensaios «Esquecer Fausto» galardoada com o prémio P.E.N. Clube Português. «Antes dos Lagartos», «Anais de Pena Ventosa», «As Sombras», «Os Três Desejos de Octávio C.», «Um Punhado de Terra», «Substâncias Perigosas», «Um Certo Pudor Tardio» e «Os Ícones de Andrei» são alguns dos títulos já publicados.
Patrícia Posse