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27 Setembro 2023

Feira Popular/10 anos: Maioria dos comerciantes não refez a vida

Clique para ampliar Muitos dos antigos comerciantes da Feira Popular de Lisboa não refizeram as vidas e, dez anos depois do fecho do espaço onde alguns trabalharam toda a vida, dividem-se entre a mágoa e a esperança na abertura de novo parque.

Foi a 01 de Maio de 1974, escassos dias após a revolução do 25 de Abril, que Óscar Frutuoso começou a trabalhar no restaurante ‘Oh Hipólito’, “como um biscate”. Viria a casar com a filha do dono e, com a morte do sogro, assumiu o comando do estabelecimento. Depois abriu mais espaços, sempre na Feira Popular, e no final era o proprietário do ‘Óscar das Sardinhas’.

Viu a feira fechar “com muita mágoa” – a última temporada da feira teve início em 28 de março de 2003 -, mas o assunto continuou a dar-lhe muitas dores de cabeça. Durante anos pertenceu à comissão arbitral que negociou com a Câmara de Lisboa a compensação aos feirantes, no valor de 20,5 milhões de euros, muito menos que os 36 milhões de euros pretendidos pelos comerciantes.

Tentou refazer a sua vida, apostou no negócio dos lares de idosos, mas encontrou dificuldades e a Segurança Social fechou-lhe o espaço. Agora está desempregado e à procura de uma nova oportunidade na área da restauração, sempre sem deixar de sonhar com a abertura de uma nova Feira Popular em Lisboa.

“A cidade precisa, o país precisa, os feirantes também precisavam. Há necessidade urgente de fazer um novo espaço”, defende.

A história de Óscar Frutuoso é apenas uma de muitas descrições semelhantes. A Feira Popular tinha cerca de 200 estabelecimentos e empregava perto de mil pessoas. Dos antigos comerciantes, “cerca de 90 por cento não conseguiu refazer a sua vida”, garantiu à Lusa o presidente da Associação de Feirantes, José Marques.

“Noventa por cento das pessoas não tiveram sorte. Também é verdade que a vida em Portugal piorou. Mas estas pessoas sempre dedicaram a sua vida à Feira Popular, muitas tentaram refazer a sua vida, mas sem êxito. Estão paradas, sem atividade, desmoralizadas, e sempre esperando que haja uma nova feira”, disse.

José Marques começou aos 17 anos a trabalhar num carrossel, em 1972. Em meados dos anos 1980 já tinha 19 estabelecimentos dentro da feira. Depois do fecho do espaço, regressou a Angola, onde já fizera investimentos, e criou um parque de diversões de 10 mil metros quadrados.

“Estamos muito melhor com os angolanos do que estamos em Portugal. Tenho um espaço que me foi cedido, tenho a concessão definitiva, onde faço aquilo que quero e gosto”, afirmou.

Carlos Quitério deixou a escola aos 13 anos para começar a trabalhar nas casas de jogo da Feira Popular. Chegou a ter quatro casas e a empregar 22 pessoas. “De um momento para o outro ficámos sem nada, tiraram-nos o chão, uma vida de trabalho”, disse.

Com o encerramento da feira, passou alguns anos de dificuldade. Veio a indemnização, mas “não ficou nada nas mãos”, todo o dinheiro foi para pagar ao Estado. Depois, tornou-se feirante itinerante.

“Continuo com a atividade de que eu gosto, o jogo”, contou à Lusa. Entre a Páscoa e outubro, anda “de terra em terra” com as diversões “às costas”, uma vida mais complicada do que a que tinha na Feira Popular, em que era só “meter a chave à porta”. Mas, acrescenta: “Estou a trabalhar, não me posso queixar. Tenho muitos colegas que estão de rastos”.

Um deles é Lina Marques. A história da sua vida confunde-se com a da Feira Popular. Trabalhou ali 23 anos, teve três filhos, dois deles por pouco não nasciam no recinto. O fecho do espaço coincidiu com a doença do marido, que acabaria por morrer.

“Fomos literalmente corridos daqui, sem se preocuparem com a situação em que ficaríamos”, lamenta.

Confessa que hoje, aos 50 anos, vive mal: “Vivo com ajudas de uma filha que já trabalha, tenho uma pequena pensão da morte do meu marido e preciso de recorrer a assistentes sociais”, relatou. Devido a problemas de saúde, tem sido difícil voltar a trabalhar, mas Lina Marques sente-se capaz de apostar num novo negócio, de preferência numa nova feira.

A Feira Popular de Lisboa abriu pela última vez a 28 de março de 2003. Dez anos depois, o recinto é um espaço abandonado, com edifícios em ruínas e mata a crescer. “É de lamentar. Isto é o retrato do estado em que o país vive, quando um terreno destes, que tanto vale, está assim, sem projeto algum”.

LUSA

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