Diogo Nunes Barata – Acho útil que as entidades governamentais se encontrem regularmente com os representantes das comunidades portuguesas para ouvi-los e auscultá-los. Se um organismo como o Conselho das Comunidades Portuguesas existe para ter alguma utilidade, é preciso de facto que os governantes tenham encontros frequentes com esse Conselho. Portanto, ter 2 encontros anuais, com uma agenda bem determinada, em que os conselheiros ponham aos governantes assuntos de interesse para as comunidades : assuntos relacionados com a educação dos filhos, com o ensino de português, etc… Com coisas que são, de facto, importantes para o futuro das comunidades portuguesas, parece-me útil. Também penso que antes dessas reuniões terem lugar, os próprios conselheiros devem encontrar-se entre si para coordenarem os pontos principais das agendas de modo a evitar que cada um fale do seu problema quando se encontram com o Ministro. A minha experiência diz-me que é melhor ir nessa direcção, fazer reuniões temáticas.
NCF – Não pensa que esse mesmo projecto de lei pode prejudicar o Conselho das Comunidades tendo em conta que o número de Conselheiros vai ser diminuído de 100 a 63 conselheiros ? Não será muito trabalho para um único conselheiro?
DNB – Confesso que não sei responder porque o governo é que está a elaborar essa legislação, é ele que tem os dados todos. Pessoalmente, só conheço a realidade da Bélgica e da Alemanha, que foram os dois postos onde estive como Embaixador e onde havia comunidades importantes. Portanto, só conheco 2 realidades, o governo é que as conhece todas. Não faço a minima ideia se têm de ser 100 ou 60. O que é preciso é que sejam bons, que sejam pessoas conscientes da importância da função que exercem e que sejam escolhidos democraticamente pelas comunidades e não impostos. Pessoas que tenham prestígio na comunidade e que conheçam bem os problemas da comunidade.
NCF – Não acha que o CCP deveria obter uma verba bastante superior àquela que recebe actualmente, visto que a sobrevivência da entidade já é um problema.
DNB – Eu sou contra os apoios do Estado a qualquer associação na sociedade civil, porque penso que uma pessoa que recebe apoio financeiro do Estado fica dependente e perde a liberdade. Concordo que o Estado financeie as viagens aos conselheiros para que possem participar na Assembleia Geral mas de resto, não vejo que despesas têm…
NCF – Quando enviam correio ou quando têm de se deslocar… Coisas simples mas que ao fim de 4 anos de mandato, ficam caras.
DNB – Se as pessoas existem para defender interesses das comunidades, as comunidades podiam suportar as despesas do seu representante. Se as comunidades contribuissem para as despesas do seu representante, não só isso as tornaria mais responsáveis, como tornaria o próprio representante mais responsável perante a comunidade.
NCF – Mas é difícil imaginar as comunidades preocuparem-se com esse assunto visto que podem ter ocupações, ou que nem sequer tenham conhecimento da existência do CCP.
DNB – Desde que queiram… Acho que o Estado não devia tratar daquelas coisas que dizem respeito às pessoas individuais. Há 40.000 portugueses na Bélgica. Se cada português pagasse um €uro, os conselheiros já não tinham problemas.
NCF – E não acha que seria uma boa maneira por parte do Estado de mostrar à emigração que não os esquece?
DNB – Mas estar presente não é pagar coisas. Uma pessoa que não se interessa pelas coisas do país não pode exigir que o país o ajude. Há pessoas que nem sabem o que é o 25 de Abril. Ser cidadão de um país é estar empenhado na vida do país. Se os portugueses estão empenhados na vida do seu país, têm de ir às associações. As pessoas não se interessam pelo país, não se interessam pelos problemas das comunidades, não vão às associações, não fazem e depois queixam-se que as associações não fazem.
NCF – O Sr Embaixador apelou para que os portugueses votassem mais nas eleições portuguesas assim como nas belgas. Que balanço faz dessa participação?
DNB – Não há espírito cívico suficiente nos portugueses. Fizemos esse apelo, tal como o senhor Presidente da República, directamente para que as pessoas votassem e também para que tenham participação cívica na Bélgica e quando se chegou na altura do voto, numa comunidade de 40.000 pessoas, votaram pouco mais de 600. Não se pode obrigar as pessoas a votar porque estamos numa democracia, mas as pessoas que não votam não podem ter direito de criticar as pessoas eleitas. Lamento pois fizemos tudo o que era possível. Enviámos cartas, fizemos cartazes, o senhor Presidente veio cá 2 meses antes das eleições fazer ele próprio o apelo… As pessoas não querem votar, não se pode fazer nada.
NCF – Mas houve um pequeno distúrbio por causa duma lei que saiu em Setembro de 2005 que estipula que os portugueses podiam recensear-se, mas não podiam votar nestas eleições presidenciais.
DNB – Efectivamente, pode ter causado problemas para algumas pessoas mas quando se observa que só 600 pessoas votaram dos 40.000… É uma desproporção enorme e a razão é que as pessoas não têm interesse. Há mais de 30 anos que ocorreu o 25 de Abril e as pessoas deviam saber que viver numa democracia, é participar e não estar à espera que as coisas cheguem prontas e acabadas como no tempo do Salazar. Têm de participar terem a sua opinião, têm de votar… Quero este, não quero aquele. É muito frustrante, pois tive várias reuniões com a comunidade, fiz apelos. De qualquer modo, não foi só aqui. A participação das comunidades foi diminuta.
NCF – Não estranha que houvesse menos pessoas a votar do que nas últimas legislativas, onde o voto é feito por via postal?
DNB – Acho que é porque as eleições presidenciais são muito mais pessoais do que as legislativas. Nas legislativas, os partidos movimentam-se mais e mexem mais com as pessoas. Possivelmente terá sido isso. De qualquer maneira, os números são tão diminutos que… Pessoalmente, fui sempre a Portugal votar mesmo quando estive na Rússia. Se vieram 600 pessoas votar, Foi porque havia possibilidade de o fazer. E nós estivemos aqui 4 dias a trabalhar.
NCF – Pensa que o recenseamento eleitoral, que se vai tornar quase automático, mudará significativamente o número de recenseados e de votantes?
DNB – Eu penso que não. É uma questão de educação. E acho que até pode ser mau facilitar as coisas. Faço parte da geração do 25 de Abril e para quem lutou e se empenhou nos momentos difíceis, acho que as coisas só têm valor quando têm dificuldade. Quem tem empenhamento cívico, vota, mesmo quando é difícil.
NCF – Mas para os portugueses que vivem no estrangeiro, devia ser mais fácil visto que o país está tão longe.
DNB – Também não votam na Bélgica!
NCF – De que maneira se poderia incentivar os portugueses a votarem nas próximas eleições belgas? Tendo em conta que os portugueses não sentem sempre uma ligação forte com a política do país, mesmo sendo cidadãos há muito tempo?
DNB – Não há maneira. Mesmo com apelos. Sei que alguns vão participar, mas são poucos. Mas são cidadãos, vivem cá, sabem quais são os problemas das ruas, os problemas dos transportes, são problemas que os afectam, mais do que os problemas de transporte em Portugal. Ou o problema do ensino para os seus filhos. Aqui é que estão os problemas que os afectam. As pessoas deviam participar na Bélgica, até mais do que em Portugal, nas autárquicas, porque são poderes que estão próximos dos indivíduos. Sei que graças ao apelo que foi feito, vários portugueses vão apresentar-se em listas de vários partidos para as eleições autárquicas. Sobretudo mulheres, do PS, MR , CDH. Alguns portugueses vão participar, o que é melhor que nada. E mais, já me disseram que os poderes políticos querem mais portugueses porque pensam que a sua participação é positiva.
NCF – Não pensa que podia haver muito mais gente a votar se houvesse possibilidade de criar locais de voto nas associações?
DNB – O recenseamento é possível nas associações Este ano foi possível que as associações funcionassem como depositárias. As pessoas podiam ir às associações entregar os seus bilhetes de identidade e depois as associações faziam as inscrições aqui. Por isso o recenseamento era possível. Quanto ao voto, não sei se a lei eleitoral permite tal coisa. De qualquer modo, não vejo a diferença de uma pessoa votar numa associação ou na embaixada. Acho que é bom vir ao sítio onde as pessoas votam.
NCF – Mas podia aumentar o número de votantes visto que, logicamente, a comunidade frequenta mais as associações do que a embaixada.
DNB – Não deve ser uma coisa de rotina. É bom que seja num sítio diferente para que a pessoa tenha consciência que está a participar num acto completamente diferente, que não tem relação com o associativismo.
NCF – E para as pessoas que vieram de Antuérpia para votar, não acha que deviam ter um local de voto nessa cidade que tem uma forte comunidade?
DNB – Antuérpia não fica longe e não acho mal as pessoas virem votar aqui. Esse esforço de se empenhar num dever cívico é importante. Até pode transformar-se numa excursão, levar os filhos para votar… Para exercer um direito cívico. E os filhos não vão esquecer que foram a Bruxelas para votar. Ainda mais num país como a Bélgica, não se justificam facilidades. Na Alemanha ou no Brasil, por exemplo, é muito mais complicado. É importante que haja consciência do acto que as pessoas estão a fazer ao irem votar.
NCF – Donde pode vir essa motivação tão grande para dar tanta importância aos actos eleitorais?
DNB – Estive no 25 de Abril desde o primeiro dia. Trabalhei com a pessoa que fez o 25 de Abril que é o General António Spínola, fui chefe de gabinete dele na Guiné. Ele foi o primeiro Presidente da República depois da revolução. Depois, trabalhei 10 anos com o doutor Mário Soares. Portanto, tenho uma ideia do que é a democracia, do que se deve fazer, e do espírito cívico. Vi a diferença entre a democracia e a ditadura e vi que é importante que a pessoa participe e que esteja empenhada. Determinados actos têm uma grande força simbólica. Para ser simbólico, tem que ser diferente.
NCF – Qual o papel social que pode ter a Embaixada com a comunidade?
DNB – Infelizmente, as circunstâncias financeiras em que o país se encontra levaram com que os senhores ministros dos negócios estrangeiros tenham extinto os lugares de adido social e conselheiro jurídico. Como foi feito também na Holanda, ainda que esteja numa situação particularmente difícil.
Aquilo que se fazia até agora de apoio e acompanhamento à comunidade portuguesa, a embaixada vai tentar continuar a fazer, mas com menos meios.
Disse a Lisboa que essa iniciativa era infeliz, mas Lisboa invoca razões financeiras. Na Alemanha, não há mais conselheiro cultural. Felizmente na Bélgica, ainda temos um. De maneira que esse acompanhamento vai ser difícil nos próximos anos, mas são as razões financeiras que sobrelevaram as outras considerações. Na comunicação que o senhor ministro me fez, foi-me dito que logo que as circunstâncias se alterem e logo que haja uma situação financeira mais aceitável e melhor, reconsiderá de novo, nomear para cá um adido social, mas de momento o Estado tomou essa inciativa para poupar 7 mil milhões de €uros.
NCF – Como é que a Embaixada podia colaborar com as associações?
DNB – A Embaixada colabora. Tenho dado a colaboração possível às associações. Tenho estado presente sempre que há problemas levantados pelos presidentes das associações. Fiz uma reunião em Novembro com todos os representantes das associações a quem chamei à atenção para que este ano possivelmente não haveria meios para ser a Embaixada a organizar o 10 de Junho. Disse que era necessário que as associações se reunissem entre si, para ver se era possível organizarem o 10 de Junho este ano também no Cinquentenaire. Como foi feito nos 2 últimos anos.
NCF – O senhor tem acompanhado o associativismo como a festa do 25 de Abril na APEB ou na festa de natal da Vlaanderen-Lusitania. Como acha o estado actual do associativismo na comunidade portuguesa da Bélgica?
DNB – Está mal. As associações têm pouca gente, não se unem. Na Bélgica devia haver uma federação de associações como há no Brasil ou na França.
Infelizmente não se entendem. Cada um quer ser o presidente da sua associação, portanto acho que está mal. Mesmo assim, algumas associações fazem um trabalho empenhado como é o caso da APEB ou dos Emaús, há associações que se empenham e que fazem alguma coisa. Também há falta de adesão da comunidade. A associação Mar tem feito algumas coisas bastante interessantes a nível cultural. Apesar disso, faz apelos às pessoas para que se interessem, mas não consegue.
NCF – Há uma grande diferença com a nossa comunidade e a da Alemanha, onde já foi Embaixador?
DNB – Penso que há poucas diferenças. Os problemas são semelhantes. O interesse pelo associativismo ou a participação na vida política portuguesa é semelhante.A única diferença que vejo e que seria favorável à Bélgica é o facto de ser um país muito pequeno. Seria muito mais fácil criar aqui uma federação de modo a evitar a dispersão de esforços que há na Alemanha.
NCF – O senhor acabou o mandato em Junho. Que balanço faz deste ano e meio como Embaixador?
DNB – Gostei muito de estar na Bélgica. Aliás, foi algo que pedi. Queria acabar a minha carreira num país que tivesse mais afinidades com Portugal. Para me sentir mais à vontade do ponto de vista cultural, onde pudesse ir aos teatros ou aos cinemas, onde pudesse falar com as pessoas e aqui posso porque falo francês. Depois, também porque se fecha um ciclo: Os primeiros estrangeiros que conheci quando vivia no norte de Angola foram belgas. É um país com o qual Portugal podia aprender muita coisa, mas Portugal aparentemente não quer. Poderiamos, se quisessemos, criar uma comissão para ver como podiamos resolver os nossos problemas comparando-nos com um país que tem a mesma dimensão demográfica. Para ver como resolver os problemas de saúde, de educação. Aqueles problemas que não estão resolvidos em Portugal, mas que aqui já estão. Tenho esperança de que Lisboa possa ver a Bélgica como um modelo para copiar, mas não, em Portugal temos sempre de fazer coisas novas.
De resto, achei que é uma sociedade aberta. Existe uma situação geográfica que nos permite deslocarmo-nos facilmente à Alemanha, França, Inglaterra. Tudo isso dá nas pessoas uma mentalidade de abertura. Bruxelas é muito cosmopolita. Embora o posto em si seja um pouco frustrante. Ver que muitos governantes vêm à Bélgica para assuntos da União Europeia e esquecem as relações bilaterais entre a Bélgica e Portugal. Pelo menos, em pouco menos de 2 anos, conseguiu fazer-se algo aqui. Conseguimos criar o centro de língua portuguesa em Antuérpia. Foi uma iniciativa nossa, inaugurado em Maio. Também tive a preocupação de mostar que hoje existe um Portugal diferente, muito mais moderno contrariamente à imagem que alguns ainda possam ter.
Pedro Rupio
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