Para este aniversário, o portal convidou o Presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) para uma grande entrevista. Convite aceite simpaticamente pelo Sr. Carlos Pereira.
A situação da rede consular
Nós Cá Fora – Em primeiro lugar, agradeço calorosamente a aceitação ao convite do portal www.noscafora.be para esta entrevista.
Sr. Presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas (SECP) tinha previsto encerrar vários consulados portugueses no mundo. Considera que o recuo na posição do Governo foi uma vitória do CCP e a afirmação da utilidade deste órgão?
Carlos Pereira – Sou eu que agradeço o amável convite que me é formulado para responder a esta entrevista.
Quanto ao encerramento dos postos consulares, considero que houve muito poucos recuos. Conseguimos efectivamente salvar alguns postos consulares (até quando?) mas o Governo manteve o seu plano inicial quase intacto. É claro que para aquelas população que conseguiram guardar um posto consular, como por exemplo em Lille, a nossa intervenção foi importante mas aqueles que viram os consulados encerrar, como em Orléans, a intervenção do CCP não foi suficiente para convencer o Governo a não fazer esse disparate.
NCF – Quais são as situações mais preocupantes?
CP – Todas as situações são preocupantes. Umas porque é incrivel que se encerre o posto consular, como na Namíbia, que fica sem nenhuma representação, já que José Cesário tinha encerrado a Embaixada neste país. Por outro lado, o encerramento do Consulado de Portugal em Nogent (anunciado para 15 de Março de 2008), às portas de Paris, também é grave porque é o maior Consulado de Portugal no mundo em termos de inscritos e o Consulado de Paris pode não ter capacidade de resposta para tanta gente. O CCP fez uma proposta muito clara de reestruturação da rede consular. Orgulho-me que a nossa proposta tenha sido felicitada pelas mais diversas franjas da comunidade. A nossa proposta previa uma nova organização, com postos consulares satélites, mais funcional e sem qualquer impacto em termos de atendimento do público. O Governo ignorou a nossa proposta.
NCF – Na altura do anúncio feito pelo Governo, muitas comunidades de portugueses espalhados pelo mundo uniram-se e demonstraram um espírito cívico como havia muito que tal não acontecia. Que observação faz sobre esse movimento?
CP – “Quem não se queixa, não é filho de boa gente” diz o ditado popular. Por isso, foi muito naturalmente que os portugueses residentes no estrangeiro, desceram à rua. O Conselho das Comunidades esteve sempre ao lado dos portugueses que manifestaram, o que é natural para um órgão que foi eleito para representar precisamente as comunidades.
O ensino de português
NCF – Que planos ou pareceres tem emitido o CCP para melhorar o Ensino de Português no Estrangeiro (EPE)?
CP – O Conselho das Comunidades considerou que a questão do ensino do português no estrangeiro é uma questão central para as comunidades. Sem ensino da língua não se mantêm as comunidades. Tivemos durante estes últimos cinco anos, encontros com o Presidente da República, Primeiro-Ministro, Ministros dos Negócios Estrangeiros, Ministras da Educação, Secretários de Estado das Comunidades,… A todos eles alertámos para o estado “caótico” em que se encontra este ensino. Ainda recentemente organizámos, em colaboração com a Secretaria de Estado das Comunidades, um colóquio sobre esta questão. O resultado é desastroso. O estado do ensino do português no estrangeiro ainda está pior do que há cinco anos.
NCF – Acredita que o Governo irá implementar o ensino de português em países como os Estados Unidos, o Canadá ou outros em que existem fortes concentracões de emigrantes portugueses sem acesso ao ensino de português? Tendo em conta que este devia ser um dever do Estado, como referido na Constituição da República.
CP – A Constituição portuguesa deve aplicar-se a todos os portugueses, quer residam em Portugal, na Europa ou nos Estados Unidos e Canadá. Acontece que desde que este CCP tomou posse que temos denunciado a falta de professores de português nos EUA e no Canadá. Ano após ano, prometem-nos que será resolvido, mas nada se cumpre.
NCF – Como analisa essa discriminação Europa/Fora da Europa a nível do EPE?
CP – Eu não ponho o problema nesse plano. Esse é o discurso oficial: pôr os portugueses de fora da Europa contra os portugueses da Europa. Eu não entro nesse jogo. Para mim, todos têm direito ao ensino do português. E na Europa a situação é também demasiado deficiente. Ora, dito assim, até parece que na Europa não há problemas com o ensino do português, o que não é o caso.
NCF – Acredita que o Ministério dos Negócios Estrangeiros vai realmente apostar na lingua portuguesa em 2008 como o afirmou recentemente o Minsitro Luís Amado? Foi informado de que forma pretende actuar o Governo?
CP – O Governo está a fazer a transferência do ensino do português no estrangeiro do Ministério da Educação para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Mas até agora, há três anos que a transferência dura, sem que haja qualquer evolução. Por isso, para ser realista, e para responder à sua pergunta: não. Não me acredito que o Governo vá resolver esta questão.
NCF – Qual seria, para si, o número aceitável de alunos sob tutela do Governo português, tendo em conta que actualmente são cerca de 64.000?
CP – Enquanto houver alunos que não possam estudar português, para mim o problema continua por resolver.
NCF – Como descreve a actual situação dos professores contratados no estrangeiro?
CP – O Governo alterou a forma contratual dos professores para criar novos postos, mas tal não aconteceu. Quanto aos professores, eles têm sindicatos para os defender.
NCF – Existem actualmente problemas desde o início do ano académico, à imagem do que aconteceu o ano passado na Alemanha?
CP – Existem actualmente problemas por resolver em quase todos os países. Até na Bélgica, onde podia haver mais cursos e não há.
O Conselho das Comunidades Portuguesas
NCF – Como avalia o desempenho do CCP nos últimos 5 anos?
CP – O CCP cumpriu o seu dever. Esteve em várias frentes. Digamos que se não existíssemos, tudo seria bem pior. Mas acredito que poderiamos sempre ter feito melhor. Fomos eleitos para defender os interesses dos portugueses residentes no estrangeiro. Cada um de nós desempenhou essa função o melhor que sabia e que podia. Devem ser os eleitores a julgar se tivemos empenho naquilo que estivemos a fazer.
NCF – Na sua opinião, o CCP foi respeitado ou suficientemente consultado pelos sucessivos governos?
CP – O CCP nunca é suficientemente respeitado pelos Governos. Porque os Governos vêm o CCP como um órgão de oposição. De uma certa forma somos um órgão de oposição na medida em que existimos para levantar os problemas…
NCF – Ressentiu divergências no seio do Conselho, entre os 96 conselheiros eleitos?
CP – O actual CCP é composto por 96 pessoas. Claro que cada um pensa por si. Isso faz com que por vezes os conselheiros não estejam de acordo entre eles, mas também é isso que faz a riqueza do órgão. Essa questão não me preocupa. Enquanto Presidente, sempre ouvi os meus colegas antes de tomar decisão, e depois tomei posição em função das maiorias. Mas é dificil agradar a todos, claro.
NCF – Como avalia o seu mandato enquanto Vice-Presidente e Presidente do CCP? Tinha fixado objectivos quando entrou no Conselho Permanente? Conseguiu atingí-los?
CP – Tinha um único objectivo que era o de dar alguma dignidade ao órgão e não o deixar abandalhar. Consegui. O Conselho tinha uma imagem muito má junto da classe política. Ora, os políticos têm de ser os nossos principais interlocutores. Por isso, fiz de “caixeiro viajante” e pouco a pouco, pela nossa postura e pelas nossas propostas, fomos ganhando a confiança dos nossos interlocutores.
NCF – Sabe se existe um órgão de consulta como o CCP na Itália ou em Espanha, países que contam igualmente com muitos emigrantes? Que vantagens têm sobre nós a nível dos conselhos consultivos e da política externa adoptada?
CP – Sim, existem órgãos de consulta na Itália, Grécia, Espanha, França,… O de França é muito forte porque os Conselheiros de França elegem 14 senadores. Eu tenho sido convidado às reuniões deles.
NCF – Tem tido boas relações com o conselheiro da Bélgica? Como avalia a sua actuação?
CP – Tento ter as melhores relações com todos os conselheiros. Conheço bem, evidentemente, o conselheiro Francisco Barradas. Mas também tento não intervir no trabalho local dos conselheiros por essa não ser a minha função.
NCF – Tem seguido os acontecimentos na Bélgica sobre as eleições do CCP? Qual é o perfil ideal para ser um bom conselheiro?
CP – Tenho seguido, sim. O bom conselheiro para a Bélgica e para os outros países é aquele que melhor defender os interesses da comunidade. Não tem de estar próximo das comunidades. Não tem de ir todos os dias aos cafés ou às associações portuguesas. Tem de defender as comunidades com inteligência e com fervor. É para isso que vai ser eleito.
NCF – Tenciona recandidatar-se ao CCP?
CP – Não, não serei candidato ao próximo Conselho. Este foi o meu segundo mandato e como cada mandato foi prolongado, já lá vão 11 anos no Conselho das Comunidades. Agora tenho de deixar o meu lugar a outras pessoas.
NCF – Qual seria o próximo Presidente ideal do CCP?
CP – O próximo Presidente do CCP será o ideal…
As comunidades
NCF – Que medidas tomar para que os emigrantes portugueses participem mais nos actos cívicos dos países onde residem?
CP – Vai ser necessário continuar a falar neste assunto. “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Na Bélgica ainda houve poucos candidatos nas últimas comunais. Em França vai haver mais de 1.000 candidatos às próximas municipais. Falando, falando, falando, vai certamente motivar os portugueses a se inscreverem nas listas eleitorais.
NCF – Como avalia o movimento associativo português no estrangeiro? Julga que uma colaboração mais concreta com o Governo poderia dar frutos a nível da divulgação da cultura portuguesa?
CP – Efectivamente já eram horas que o Governo prestasse mais atenção às associações. Por enquanto, não presta atenção nenhuma. Deixa as associações ao abandono completo. Na Europa, uma grande parte têm os dias contados, porque não conseguem adaptar-se às novas necessidades das comunidades. Uma reflexão sobre essas questões é urgente.
NCF – Qual é sua opinião sobre o fim da isenção fiscal das remessas dos emigrantes?
CP – São as regras da Europa… Portugal, sobre esta questão, apenas podia ter antecipado e informado. Mas, claro que eta era a última das preocupações dos nossos governantes.
NCF – Julga que seria uma mais-valia incentivar e promover a participação de luso-descendentes ou emigrantes em cargos do ensino de português no estrangeiro, nas embaixadas ou na própria Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas?
CP – Ensinar português implica primeiro que haja competências e formação para o fazer. Nós pensamos que os há. Mas o Governo está mais interessado em dar trabalho aos muitos professores que estão no desemprego em Portugal.
NCF – Qual é sua opinião sobre o fim do porte pago da imprensa regional para os emigrantes portugueses?
CP – Uma asneira do tamanho de Portugal. A imprensa regional é, na maior parte dos casos, o único elo de ligação informativa com Portugal. Mas aparentemente, Portugal parece que prefere que os emigrantes esqueçam as suas regiões de origem. A isto chamo falta de visão.
NCF – Do actual Governo em actuação desde 2005, que medidas considera como positivas por parte deste?
CP – Quase todas as medidas que poderiam ser importantes para os emigrantes, ficaram por resolver: ensino, contagem do tempo de tropa, apoio ao associativismo, reforma consular,…
NCF – Ao considerar todos os pontos abordados nesta entrevista, acha viável que este Governo quer desligar-se de uma vez por todas com as comunidades portuguesas?
CP – Não é só o caso deste Governo. Também foi o caso dos anteriores. Os Governos não ligam às comunidades. Mas as comunidades estão cada vez mais a ligar-se a Portugal. E isso orgulha-me.
© Pedro Rupio – www.noscafora.be