Desde esse período que as características geomorfógicas do sítio em muito terão contribuído para uma ocupação sucessiva deste morro granítico, cuja história culmina durante o período medieval e moderno, altura em que o reduto atinge a sua fase áurea e o respectivo declínio.
Recentes escavações arqueológicas têm demonstrado que a ocupação do local se iniciou há cerca de 5000 anos, durante o calcolítico. Desde essa altura que as sucessivas fases ocupacionais são testemunhadas por interessantes vestígios materiais que documentam uma longa diacronia ocupacional que abarca a Idade do Bronze, a Idade do Ferro e toda a fase de romanização do território transmontano.
Esta vocação para a defesa natural adquire particular importância durante o processo da Reconquista Cristã. Nesta altura Ansiães obtém a sua primeira carta de foral. O documento outorgado em meados do séc. XI pelo rei leonês Fernando Magno, constitui um dos mais antigos forais do espaço geográfico definido pelas actuais fronteiras do território português.
Durante a fase alti-medieval, o local possuía já uma longa e reminiscente herança cultural, factor decisivo para se estruturar como centro fulcral na zona fronteiriça do rio Douro.
Os séculos XII, XIII, XIV e XV, definem um período exponencial do crescimento deste reduto amuralhado.
Afonso Henriques em 1160 ; Sancho I, 1198 ; Afonso II, 1219 e finalmente D. Manuel I, em 1510 reconhecem e promulgam forais ao termo à Vila amuralhada de Ansiães. A confirmação do foral inclui ainda a primeira delimitação do termo de Ansiães que compreendia um espaço geográfico situado “per littore Dorio de cabeza de requeixo usque in fraga de azaiam et per portela de mauro usque in cima de ualle de torno cum suas teleiras usque in cruce de freisinel”. Esta delimitação deixa implícita a confrontação a Oeste com Linhares que pela mesma altura de Ansiães terá também recebido carta de Foral de Fernando Magno. No entanto esta segunda circunscrição territorial sofre um processo de decadência crescente e no Reinado de D. Sancho II acaba por integrar o termo de Ansiães.
Este primeiro alargamento territorial revela a consolidação crescente da importância urbana que a vila teve ao longo de toda a Idade Média. Mas será na Baixa Idade Média que Ansiães se impõe estrategicamente numa região fulcral do expansionismo cristão, adquirindo assim um estatuto urbano que atinge o seu apogeu durante os séculos XIII e XIV. A vila impõe-se progressivamente como a cabeça de um território que abrange um espaço diversificado de recursos e onde vão proliferando pequenos aglomerados e casais agrícolas. Será nesse contexto que em 1277 o rei D. Afonso III lhe concede carta de feira. O processo dinâmico que conduziu à monumentalidade de Ansiães testemunha o seu antigo prestígio dentro da região transmontana, onde ao longo de toda a Idade Média se instituiu como um importante espaço concelhio.
A dimensão e imponência desta antiga vila permitem adivinhar áureos momentos do seu secular desenvolvimento. Contudo, o final do séc. XV, e particularmente o séc. XVI, marcam o início de uma transformação demográfica traduzida numa perda cada vez mais acentuada da importância urbana, em função do desenvolvimento de outras localidades que constituíam o território concelhio. É certo que em 1443, o rei D. Afonso V atribui aos besteiros de Ansiães grandes privilégios e isenções, e que em 1510 o rei D. Manuel lhe outorga novo foral. Todavia, uma tendência de carácter depressivo começava a atingir o local, e em 1527 algumas aldeias que constituíam o município contavam já com uma população superior à de Ansiães. Nas centúrias seguintes este movimento acabou por se agudizar, culminando na transferência dos paços do concelhos para Carrazeda, acto que ocorreu em 1734 pelo facto de no antigo reduto residir um número bastante reduzido de pessoas.
Actualmente são ainda perceptíveis dois espaços distintos que constituem os principais elementos caracterizadores do urbanismo medieval.
O primeiro espaço, situado a cotas mais elevadas, corresponde à primitiva implantação roqueira. Este perímetro amuralhado é definido e organizado a partir uma muralha de configuração ovalada que se reforça com cinco torreões quadrangulares. Aqui podem-se reconhecer um conjunto de vestígios estruturais em estrita articulação com a torre de menagem e seus respectivos anexos. É também neste espaço que se situa a cisterna do povoado e uma série de alinhamentos de alicerces que fazem adivinhar a presença de antigos edifícios com uma suposta funcionalidade militar. Trata-se de uma área com uma autenticada especialização defensiva, uma espécie de último reduto destinado a albergar os moradores em caso de contenda bélica. O segundo espaço define a zona urbana propriamente dita. Uma segunda linha de muralhas, com uma extensão superior a 600 metros e três torres quadrangulares, circunda um perímetro onde actualmente apenas proliferam grandes quantidades de derrubes, algumas estruturas medievais e modernas, bem como pequenos muretes e paredes de antigos edifícios.
Toda esta organização urbana obedecia a um plano centrado em vários caminhos que se intercediam entre si, estruturando desta forma pequenos bairros ou áreas residenciais.
Igreja de S. João Baptista
De aspecto rústico, sem portal frontal e com um conjunto de elementos decorativos muito modesto, a igreja de S. João Baptista acaba por constituir uma curiosidade, uma incógnita e uma surpresa no panorama do “românico” português.
Tendo em consideração os resultados arqueológicos até ao momento obtidos que dão como praticamente adquirida uma cronologia bastante antiga para a sua fundação, poder-se-á afirmar que estamos perante uma construção de raiz pré-românica com sucessivas adaptações e restauros durante a Baixa Idade Média.
Caracterizar cronológica e estilisticamente a Igreja de S. João Baptista com base nos elementos estruturais implícitos ao seu aparelho construtivo não é tarefa fácil. A existência de elementos contraditórios como o característico aparelho não-isodomo, tão habituais nos monumentos pré-românicos, a par de um arco apontado, característico do estilo gótico, coloca-nos perante algumas reticencias, e obriga-nos a olhar este edifico de forma mais atenta. Outro dos elementos que ressalta da análise do templo é a inexistência de portal principal na fachada Oeste.
Todas essas "incongruências" estruturais poderão ser explicadas se atendermos a alguns elementos detectados na intervenção arqueológica que revelaram profundas acções de remodelação do edifício durante os finais do Séc. XV.
Face a esses dados pode-se colocar como hipótese a existência de um templo talvez de origem pré-românica e que se constituia apenas por um único corpo. A ampla reconstrução efectuada em finais do Séc. XV foi a principal responsável por uma alteração completa da estrutura. A partir desta altura o edifício passa a ostentar um arco de configuração apontada e uma capela-mor rectangular adossada ao corpo principal da igreja.
Igreja de S. Salvador
A planta da igreja de S. Salvador de Ansiães obedece a dois corpos principais : nave e capela mor. Mas a sua originalidade reside fundamentalmente no tímpano “Pentocrator” do portal principal cuja iconografia de “cristo em majestade”, revela um dos mais completos exemplar do românico português.
No mesmo portal ladeiam o tímpano um conjunto de arquivoltas cuja decoração representa “cenas” do apostolado. Todo o conjunto assenta em capitéis profusamente decorados por motivos pouco habituais na plástica medieval. Já no interior e a ladear o Portal principal surge a figura do leão, que aqui desempenha uma função fundamentalmente apotropaica.
Na nave do templo rasgam-se duas portas laterais, revelando-se a voltada a Norte de uma fraca exuberância decorativa. Aqui o único elemento digno de realce é a cruz vazada que se abre no seu tímpano. O mesmo não acontece com a porta virada a Sul, estilisticamente mais rica. São de realçar o arco cairelado e os seus capitéis e impostas cujo recurso a uma decoração de cariz marcadamente geometrizante denunciam influências do românico de Entre-Douro-e-Minho.
No interior, o arco triunfal que divide a capela mor do corpo principal do edifício revela-se igualmente enriquecido com um conjunto de elementos que fazem recurso a motivos decorativos geométricos, evidenciando algumas influências do românico bracarense.
Pelas características decorativas e tendências iconográficas patentes na igreja de S. Salvador de Ansiães, tem-se cronologicamente situado a sua edificação por volta do Séc. XIII. Tais paralelismos analíticos permitem constatar que existem algumas afinidades entre este templo e o templo de S. Pedro de Rates ou de Travanca, por exemplo. No entanto, no caso de S. Salvador, quer o seu tímpano, quer o conjunto decorativo que constitui o portal axial, não apresentam quaisquer afinidades ou paralelos temáticos no panorama do românico nacional, tratando-se assim de um conjunto único, cuja beleza transformam este templo numa “verdadeira jóia” da arquitectura medieval portuguesa.
[António Luís Pereira e Isabel Alexandra Lopes]
© www.ippar.pt
Endereço : Casa de Ramalde Rua da Igreja de Ramalde 4149-011 Porto
Horário : 9:30-12:30/14:00-17:30
Encerrado à segunda-feira, sexta-feira de manhã e nos feriados de 1 de Janeiro, Domingo de Páscoa, 1 de Maio e 25 de Dezembro.
Ingresso : Gratuito
Telefone : +351 226 179 345 Fax : + 351 228 179 385 E-mail : drp.ippar@ippar.pt
Acessos : IP 4 até Abreiro, seguindo em direcção a Vila Flor e Carrazeda de Ansiães.